CYBERPUNK NO BRASIL

   Como todas as manifestações culturais presentes em em um mundo globalizado, a exportação do cyberpunk para outros países gerou uma adaptação do gênero para que esse se adequasse a uma nova cultura, o que não foi diferente no Brasil. Ainda que muito semelhante ao seu propósito original, as produções brasileiras do gênero apresentam um toque de personalidade diferente das criações americanas. Como é o caso do projeto transmídia, Universo Gambiarra. 

Yan e Flaneur protagonizam a série O Dilema da Coxinha em uma série de HQs do Universo Gambiarra. Ilustração: Thamara Jardins, Edu Prota e Math Sowande e Ian Costa.
Yan e Flaneur protagonizam a série O Dilema da Coxinha em uma série de HQs do Universo Gambiarra. Ilustração: Thamara Jardins, Edu Prota e Math Sowande e Ian Costa.

   Criado por Gustavo Colombo e Erik Hewitt, o Universo Gambiarra conta com uma série de HQs, um média-metragem e um longa-metragem que estão em fase de produção e outros produtos que ainda não foram anunciados mas que estão a caminho. "Nesse universo, estão o Yan e o Flaneur, que são dois trambiqueiros que fazem pequenos golpes e pequenas ações. O Yan é mais o rápido, meio ranzinza, e o Flaner é um 171 meio bom de lábia, como se ele fosse um Agostinho Carrara, desse futuro Cyberpunk", explica Gustavo
 
   Ele comenta que é difícil pensar em narrativas inovadoras quando a realidade, hoje, está cada vez mais cyberpunk. "Eu brinco que as melhores coisas pra acontecer no Universo Gambiarra, seriam exatamente as ideias, sei lá, que o Olavo de Carvalho e o Bolsonaro pensariam pro país", diz ele

A série de HQs é ambientada em diversas áreas do Rio. Ilustração: Thamara Jardins, Edu Prota e Math Sowande e Ian Costa.
A série de HQs é ambientada em diversas áreas do Rio. Ilustração: Thamara Jardins, Edu Prota e Math Sowande e Ian Costa.
"Precisava pouco para fazer um Rio cyberpunk. Se você botar a câmera no lugar certo, ele já está bem pronto. É só colocar um pouquinho mais de neon ali, um de braço mecânico aqui, e já é cyberpunk", comenta Gustavo

   Porém é necessário que essas produções comecem a refletir sobre o que será do futuro com o imaginário de hoje como explica Hewitt. "Apesar de Gambiarra ter uma onda retrô, meio anos 80, anos 90 e tal. Eu acho que tem que haver também uma preocupação de que a gente já está chegando em um lugar parecido. Mas a gente também tem que ficar um pouco ciente de imaginar o nosso próprio futuro. Levando em consideração as coisas que aconteceram e por onde a tecnologia, de fato, evoluiu. Por exemplo, eu acharia muito sem graça um robô, tipo, só um robô" expõe Erik.

Foto: Divulgação/Amazon
Foto: Divulgação/Amazon

   Outro exemplo de produção cyberpunk com um toque abrasileirado e que traz essa preocupação com o que é imaginado, é o livro de ficção científica Zona Livre, de 2021, de André de Carvalho. Esse conta a história de um entregador de aplicativo de São Paulo que após perder o emprego devido a uma briga de trânsito, acaba se envolvendo com um grupo de rebeldes revolucionários que decidem investigar e expor a verdade sobre um dispositivo chamado Neurolink. 
   André explica que não é possível resistir à influência da indústria cultural americana, que muitas vezes acaba deformando as culturas locais. No entanto, é possível trazer essas narrativas para um contexto brasileiro e fazer com que os leitores se identifiquem mais com o gênero.  

"Como a gente não pode resistir, então vamos pegar a ficção científica e o cyberpunk, e dialogar, sabe? E também fazer a nossa ficção científica. É importante porque as questões tratadas no tema não são só dos Estados Unidos, são questões que afetam a todos nós. E isso é importante para que a ficção científica brasileira seja cada vez mais valorizada", afirma André.
André conta que começou a se interessar pelo gênero após ler Santa Clara Poltergeist de Fausto Fawcet. Foto: Divulgação/Amazon
André conta que começou a se interessar pelo gênero após ler Santa Clara Poltergeist de Fausto Fawcet. Foto: Divulgação/Amazon

   Ele explica que o cyberpunk brasileiro tem uma outra 'cara' e é diferente do norte-americano. "Eu tenho a impressão que o cyberpunk norte-americano é muito sisudo, assim, muito sério, e o nosso já tem essa coisa do humor, sabe? Que ela traz os temas pesados, traz os temas fortes de desigualdade social, de crítica ao capitalismo que o cyberpunk tem, mas com uma pegada nossa, assim, com uma brasilidade", diz o autor.

"Então eu pensei, pô, é isso que eu tenho que fazer. Eu não tenho que tentar fazer um cyberpunk igual ao William Gibson. Tenho que fazer um cyberpunk com essas características que eu gosto, que me chamam a atenção no cyberpunk brasileiro", finaliza.

   Colméia e Memorium, da Hunter, também são produções cyberpunk que trazem esse toque brasileiro para o gênero. Os dois contos fazem parte de uma série de contos chamada cyberflix que conta com histórias que se passam anos no futuro, retratando uma sociedade futurista e destruída socialmente. Em Colméia, de 2021, Abbie, uma aspirante a cientista, desenvolve uma realidade virtual para ficar com sua namorada, Mel, já que é fisicamente impedida pelos pais de se encontrar com ela. Já em Memorium, de 2023, Ícaro busca uma droga virtual que faz com que o usuário reviva suas lembranças, o que faz com que ele entre em uma jornada de autoconhecimento pós término. 

   Hunter explica que, frequentemente, se depara com homens de extrema direita que, ao adotarem os ideais criticados no gênero cyberpunk, acabam apropriando-se dele de forma distorcida. "Eu gosto muito de falar do cyberpunk também como política. Acho que a gente tem que tirar da mão de uns 'nerdolas' essa noção de que ficção científica tem que estar longe do que eles chamam de lacração. Porque se a gente parar para analisar, muitas obras são extremamente políticas. E aí, eu me pergunto aonde foi que esses caras se sentiram confortáveis para jogar um jogo sobre uma megacorporação estar acabando com todo mundo e achar que não tem a ver com política", desabafa ela, fazendo referência ao jogo Cyberpunk 2077.

Imagem: Divulgação/Cyberpunk 2077
Imagem: Divulgação/Cyberpunk 2077

Reportagem feita por Malu Danezi 

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